sábado, 24 de outubro de 2009

Peixe fora d'água.


Eu adoro festas, mas só de pensar nos preparativos - apertar o vestido, comprar o sapato, ir ao salão - sinto uma preguiça enorme. Sem contar que sou alvo de piadas por parte dos amigos desde a semana anterior por causa do meu jeito, digamos assim, diferente.
A odisseia começa na compra do vestido. Lá vou eu, de calça jeans, camiseta e chinela, atrás do meu vestido passeio completo. Não sei por que, mas tenho a impressão de que quando a vendedora coloca o salto 15 cm para completar o traje, é só para ter certeza de que meu mundo é outro.
Concluída a primeira parte, é hora de comprar o sapato, que não pode ser muito alto, afinal, o plano é passar a noite calçada. Não sei qual a dificuldade das atendentes em falar logo que não têm o que procuro. Deve ser uma vaga esperança de que vou mudar de ideia ao ver o mais novo lançamento da marca. Mal sabem elas que aí é que repugno o referido objeto. Depois de muito andar, no entanto, encontro o famigerado calçado.
Para encerrar, o salão de beleza, um capítulo à parte. Não tem coisa que odeie mais que acordar cedo, principalmente no fim de semana. E, normalmente, inventam uma coisa pra eu fazer durante a manhã - sim, meu cedo é a manhã inteira -, nem que seja dar uma viagem perdida. Eu devo ser a antipática de todos os cabeleireiros que já frequentei, pois não sou de puxar assunto ou ficar conversando horas e horas enquanto tiram a minha sobrancelha. Sou adepta do MP3 e do livro, ao invés da televisão e das revistas tão construtivas disponíveis.
Mas o que mais me intriga é a capacidade que algumas pessoas têm de contar a vida toda a qualquer estranho. É exposição demais para mim. Ah, também não há perigo de sair do salão sem um pitaco sobre o meu cabelo levemente hippie. A síntese das opiniões é: alisamento. Parece que é pecado não querer ser Barbie.
Depois de toda a epopeia descrita, chega a hora da festa e de ver os meninos com roupa de velho. O perigo é que a cabeça envelheça junto com ela.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Ah, vida real.

Se, um dia, me dissessem que eu ficaria intrigada com uma descoberta na aula de óptica, acharia, no mínimo, engraçado. Mas o fato é que estava eu tranquila assistindo à aula quando o professor fala que as imagens projetadas na retina são invertidas. Pronto, estava armada a confusão na minha cabeça.
A primeira reação que tive foi sentir-me n'O mundo de Sofia'. Ainda que minha história não estivesse sendo escrita por ninguém, só o fato de o mundo que percebemos estar de cabeça pra baixo e de nada garantir que o que vemos ser verdade foi suficiente para liberar minha imaginação - não que a aula ser de física contribuísse pra isso, jamais!
Pensei, depois, na Caverna, já que a "realidade" poderia ser apenas a sombra do que existe mesmo. Acabei concluindo, no entanto, que não é necessária física alguma para mostrar que estamos, sim, invertidos. Com os valores invertidos, pelo menos, pois toda essa frieza e indiferença não podem ser normais numa sociedade que se diz evoluída.
Estamos, no mínimo, letárgicos para deixar as coisas acontecerem - ou não fazer com que elas aconteçam - com tanta naturalidade. Como diz um poeta potiguar, balance a rede do mundo, que o mundo está dormindo. Ou invertido.

"Se estivesse acordado
Deixaria acontecer
Uns poucos querendo mais
Com terra, grana e poder
E outros pedindo um pouco
Sem ter um pão pra comer?
Balance a rede do mundo
Que o mundo está dormindo."

sábado, 10 de outubro de 2009

Querida mamãe, querido papai...

Vai chegando o fim do ano e todas aquelas datas comemorativas - não sei direito por quem - vêm junto. Eu não simpatizo nem com dia das Mães, quem dirá com o gasta-gasta do Natal. Nada contra Cristo, um dos maiores revolucionários da história, a meu ver, mas não me conformo com, em pleno Outubro, algumas lojas já começarem a tirar o Papai Noel do depósito.
Antes da farra do capital, porém, há o dia das Crianças. Estas, tadinhas, assistem à televisão, são bombardeadas de informações e acabam querendo ter tudo que lhes é oferecido. Os pais, na tentativa de diminuir a ausência cotidiana, oferecem a felicidade em bonecas que falam e carrinhos com controle remoto, para quem não pode controlar nem a própria vida.
Para completar, há todo um tratamento especial para o lisonjeado no "seu" dia, como se só nele a homenagem fosse merecida. A mulher ganha uma pintura de unhas no trabalho, e continua com seu salário inferior ao do homem, o professor ganha um lanche especial, e continua desvalorizado, com uma escola itinerante sendo fechada por ser acusada de usar o método Paulo Freire, um inafiançável crime. Qual o sentido de todas essas datas, então?
Agora, só falta o dia do vestibulando, quando irão vender o gabarito do ENEM. O pior é que tem muita gente pra comprar.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta



Estava passeando pelas notícias do golpe em Honduras e vi que o toque de recolher foi abrandado por algum tempo. Enquanto, conforme o esperado, a maioria da população aproveitava para comprar alimentos, materiais de higiene e outros produtos básicos, formando filas imensas, alguns se preocuparam em ir aos shoppings.
Dá para imaginar a surpresa que tive ao ver a imagem de um casal lanchando em um dos paraísos do consumo, como se os tempos fossem de paz. Não sei se é alienação ou ignorância voluntária, mas acredito que é, no mínimo, uma atitude irresponsável - para não dizer egoísta - confinar-se em um mundo particular com tanta coisa errada acontecendo lá fora.
O estágio de privatização ao qual chegamos é tão grande que se individualiza até a realidade, como se fôssemos seres auto-suficientes. Não vou muito longe nos exemplos. Basta olhar para nossa elite e para a classe média que, ao invés de lutar por uma transformação, já que são os poucos (teoricamente) esclarecidos no país, preferem aumentar os muros de seus prédios e renegar o transporte público. Andar à pé, então, é atentado à moralidade.
Para diminuir a culpa que podem sentir ao olhar pros lados, organizam caminhadas como a que presenciei por passar na frente da minha casa, marchas com a família. Cabe lembrar que foi uma manifestação dessas que consolidou o Golpe de 64. Torço para que não estejamos diante de uma nova década de 60.