quarta-feira, 29 de julho de 2009

E se desentende no instante em que fala

Certas atitudes, quando muito repetidas, podem revelar bastante sobre uma sociedade, basta analisá-las. Uma destas análises ocorreu-me numa viagem, na qual estava visitando uma igreja que tinha um miserável na porta e um poço dos desejos em frente.
Turistas (a maioria dos transeuntes do local), por toda a aura de novidade e deslumbramento, costumam ser mais generosos que o normal. No entanto, notei que as pessoas passavam pelo pedinte na porta do templo sem nem exergá-lo, porque ver é diferente de enxergar. Acabavam indo diretamente à fonte dos desejos para satisfazer mais uma necessidade particular.
Pareceu-me um retrato do individualismo da nossa sociedade. "As pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer", não importando que se assuma papel de agente no mundo. Entre o nascer e o morrer, pode haver a preocupação com a "moral" (que fica mais imoral a cada dia), com os bons costumes (seja lá o que isto significa), com o casamento bonitinho e com a família convencional, vivendo das aparências e sem diálogo.
Se os conflitos aparecem, vai-se ao psicólogo ou procura-se a cultura do zen para resolvê-los, é mais fácil que administrá-los e canalizá-los para atividades em prol de um bem maior. Não faço uma apologia à completa confusão mental, pois esta também não é saudável, mas questionamentos sobre os rumos que a vida e o mundo estão tomando são sempre necessários.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Ode à alienação

Uma breve leitura do jornal de hoje causou-me mais inquietação que o normal e, desta vez, não foi por causa da violência ou dos escândalos no Senado. Foi por causa dos programas disponíveis para os jovens nesta semana, que me deixaram preocupada.
De um lado, o endeusamento do Fortal. Duas pessoas falando das maravilhas do evento, como a possibilidade de fazer tudo que, certamente, estava ligado a todo tipo de bebedeira, desvalorização do corpo e música ruim que se possa imaginar. Eles faltavam dizer que iriam descer de seu pedestal, o camarote, para misturarem-se com o povão, os que seguem o trio elétrico no chão. Devo ressaltar que estes nada têm de povão, haja vista que os preços não são nada acessíveis. Tudo o que um evento poderia ter de melhor, portanto: Elitismo e música ruim.
A outra opção é o Halleluya, evento da ala carismática da Igreja Católica. As pessoas vão curtir o "axé de Deus" e as mesmas coisas que teriam no Fortal, a diferença é que sem bebida e com letras diferentes. Não sei até que ponto o evento é menos elitista.
O que questiono, entretanto, não é a animação por ela mesma. O problema é que falta que a religião seja voltada para a transformação da realidade e igualdade social, pois o que acontece é um aumento do individualismo, já que se reza por si e pelo semelhante, mas não se age para que a situação dele melhore. Como li em algum Evangelho que me falta o nome, se um faminto bate na sua casa e você não dá um prato de comida a ele, mas diz que rezará para que ele o arranje, não fez nada.
Como uma terceira opção, meio às escondidas, há um evento no Mercado dos Pinhões com direito a rememoração do Massafeira Livre. Uma pena que seja desprezado e as multidões prefiram ficarem reféns da cultura feita para elas (e para mantê-las sob controle).

sábado, 18 de julho de 2009

Quando dou comida a um pobre...

Fui ao cinema, no centro, com duas amigas e, na fila, tivemos uma surpresa assustadora. Conversávamos distraidamente quando alguém passou vendendo chiclete. A nossa surpresa veio quando vimos que a "vendedora" tinha menos de um metro e 4 anos.
O abandono da criança despertou em mim, que não pretendo ter filhos, os instintos mais maternais. Fiquei com vontade de criá-la. "Os pais devem ser safados, colocam-na para trabalhar e ficam parados", foi a primeira idéia que veio à minha mente. Enquanto esperávamos para comprar uma pipoca para ela, a garotinha relatou que a mãe estava trabalhando e o pai engraxando sapatos.
Não sei o que me revolta mais, se é quando os pais não trabalham ou quando trabalham desumanamente e não recebem o suficiente para sobreviver. São situações que não consigo encarar com naturalidade, muito menos dar uma esmola e achar que meu dever está cumprido. Lembro-me de D. Hélder Câmara, que diz que o chamam de santo quando ele dá um prato de comida a um pobre, mas o acusam de comunista se questionar as causas da pobreza.
Outra questão veio à tona depois: para quem recorrer em um caso destes? Se ligarmos para um abrigo, a criança fica abandonada e, se duvidar, passando fome. Não existindo um órgão competente para responder por isso, alguns desanimam e preferem deixar tudo como está. Lembro, agora, de um trecho de um filme que diz que estamos vivendo tempos difíceis e, justamente por isto, os mais emocionantes que poderíamos viver. Que nos recusemos a viver sem emoção, se isto significa agir na transformação do mundo!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Quem quer trocar a Copa do Mundo por um Brasil sem vagabundos?



Devo ser muito ingênua para este mundo, pois ainda fico perplexa com como algumas situações, a meu ver, absurdas são encaradas. Minha mais nova surpresa foi um site que “mapeia” os casos de violência no mundo e propõe que as pessoas compartilhem o que aconteceu com elas como forma de solidariedade.
Nada contra a iniciativa de proteger-se, mas não entendo como as arbitrariedades cotidianas podem ser aceitas com tanta naturalidade, como se o problema fosse ser resolvido apenas porque determinado local será evitado. Indo neste caminho, ficamos ainda mais presos atrás dos muros, já que os muitos casos só aumentam.
Somos tão bombardeados com a violência que parecemos ficar indiferentes com mais uma ocorrência. Já até separamos o “dinheiro do ladrão”. Começamos a achar normal evitar passar por alguns lugares, não mais colocar as cadeiras na calçada e a crescente distância entre as pessoas. Sem contar os inúmeros programas explorando a violência urbana, típico da nossa sociedade do espetáculo, uma teoria elaborada nos anos 60 que continua extremamente atual, já que, como disse o próprio autor, Guy Debord, uma teoria crítica não se altera enquanto perdurarem as condições histórico-culturais que lhe deram origem.
Ao enxergar tudo isto como algo intrínseco ao nosso país, não sentimos a necessidade de mudar esta realidade. Afinal, não se sente falta do desconhecido, ainda mais com uma Copa do Mundo pela frente para nos mostrar o quando o Brasil é maravilhoso e pentacampeão. E viva o ufanismo!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

We all want to change the world




É curioso o quanto a simples ida a um lado da cidade que não costumamos visitar pode ser reveladora. Ao cruzar Fortaleza para desbloquear minha carteira de estudante, acabei fazendo algumas constatações, desde a existência de uma cidade dentro da outra até as insatisfações com o poder público que só aparecem quando pisam no nosso calo.
Devido à demora para resolver as pendências, as pessoas começavam a reclamar e a "revoltar-se", uma revolta que provavelmente acabaria quando chegassem a casa com seus problemas solucionados. Pergunto, então: E a indignação pelo abandono aos que não têm o que comer, vestir e vivem na miséria absoluta? Estes nós não vemos todo dia, não são de casa, não nos atinge. Lembro-me dos muitos que dizem não aceitar as mazelas do mundo e a ação é contrária ao discurso enfeitado que possuem (qualquer semelhança com muitos políticos e "religiosos" não é mera coincidência).
Na volta para casa, passei por uma Igreja Universal que, anunciando seu novo produto, como o fazem as grandes corporações, prometia a gota da salvação. Será uma forma atualizada de comprar o lugar no céu? Não sei como os “responsáveis” por tal empreendimento não ficam com peso na consciência de explorar quem já pouco possui. O irônico é que Leonardo Boff foi expulso da Igreja Católica por defender os oprimidos quando a instituição não o fazia e hoje é moda explorá-los usando a “espiritualidade”. É o capitalismo e sua capacidade de reinventar-se.